quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Código Florestal: a seguir, cenas dos próximos capítulos


André Lima*

Mesmo com a votação desta última terça-feira no Senado, a novela do Código Florestal pode ainda não ter chegado ao fim. André Lima* assessor de Políticas Públicas do IPAM, explica os motivos.

Li essa semana, em um jornal de grande circulação nacional, depois da votação da última terça-feira no Senado, que, enfim, a novela do Código Florestal chegou ao seu desfecho. Errado! Por pelo menos três motivos.

O primeiro motivo é que Dilma pode - e em nossa opinião deve, vetar alguns dispositivos do texto aprovado pelo Parlamento. Senão por razões jurídicas ou constitucionais, com certeza por ferir o interesse público (ambiental) nacional. Só a título exemplificativo, merecem veto, dentre outros dispositivos, os parágrafos 4º [1], 5º [2] e 13 [3] do Artigo 61-A, pois ampliam injustificadamente a anistia ao reduzir a recomposição e consequentemente a proteção de mata ciliar e nascentes, em benefício de grandes proprietários[4].

Tem agora a Presidenta uma segunda chance de fazer valer sua palavra[5]. Será ela complacente com mais anistia aos desmatadores ilegais, contrariando seu compromisso de campanha? Permitirá que grandes proprietários de terras infratores da legislação ambiental se livrem da responsabilidade de recompor integralmente a mata ciliar e as nascentes?

O segundo motivo é que o novo texto é desprovido de razoabilidade, proporcionalidade e equidade na diferenciação de tratamento entre os proprietários rurais que cumprem e os que descumpriram a lei. Cabem questionamentos consistentes de ordem constitucional tanto em ações judiciais difusas por todo território nacional (o chamado controle difuso de constitucionalidade), quanto por meio de ação (ou ações) direta(s) de inconstitucionalidade (o chamado controle concentrado de constitucionalidade).

Não cabe aprofundar este assunto estritamente jurídico neste momento, mas o que acontecerá com a segurança jurídica tão defendida e propalada pela bancada ruralista no parlamento se o artigo 61-A, por exemplo, for julgado inconstitucional (total ou parcialmente) por ferir os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia, função social da propriedade rural e do desenvolvimento sustentável?

E o terceiro (e não menos importante) motivo é que agora começa de fato a peleja real no chão e nos gabinetes do governo. Acabou o palco para o discurso fácil do tipo “essa lei compatibiliza produção agropecuária com proteção ambiental”, ou o que também foi muito dito que “é possível ser potencia ambiental e agropecuária”. Vamos à prática. Agora é lei, certo? Agora é pra valer? É o que veremos...
Entramos na fase de regulamentação da nova lei, oportunidade em que tanto o governo federal quanto os governos estaduais deverão esclarecer as lacunas, eliminar as ambiguidades e dizer como será sua implementação.

Apesar do prazo definido pela Lei já estar contando desde maio último (vence em 25 de novembro), até agora o Ministério de Meio Ambiente não abriu diálogo direto com as organizações do campo socioambiental a respeito. Na regulamentação há espaço para recuperar ou ampliar perdas importantes para a produção rural sustentável. Teremos surpresas nos atos normativos que regulamentarão a nova lei rural? A sociedade terá oportunidade de participar desse processo em tempo de evitar novos “consensos duvidosos” ou retrocessos?

Exponho a seguir algumas perguntas que indicam alguns dos desafios que teremos que enfrentar seja como governo, sociedade civil, setor privado, acadêmico, ambientalista ou ruralista:

- teremos uma política e um programa nacional de florestas robusto que ofereça, em prazo razoável e compatível com o proposto pela Lei, as condições materiais, tecnológicas, humanas e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam de fato recompostas em escala no País?
- haverá transparência e controle social suficientes sobre a implementação dos planos de regularização ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e cadastramento ambiental rural nos estados?
- os órgãos ambientais (federal e estaduais) vão aplicar as sanções necessárias aos infratores que desmataram ilegalmente após a data de “anistia” ou consolidação rural (julho de 2008)?
- qual será o programa de incentivos econômicos (crédito e incentivos fiscais) para beneficiar os proprietários (principalmente os pequenos) que cumpriram a lei ou que aderirem voluntariamente aos programas de regularização ambiental?

Infelizmente ouvi, há poucos meses atrás, da boca de uma importante autoridade em meio ambiente da Confederação Nacional de Agricultura que, em no máximo cinco anos, - prazo para implementação do cadastramento ambiental rural em todo país (estranha coincidência?), seremos obrigados a rever a Lei novamente porque o governo e os produtores rurais não serão capazes de cumpri-la. Temo sinceramente que essa não seja somente uma aposta pessoal do alto dirigente dessa importante instituição corporativa.

Enfim, a novela do código florestal deve se converter agora em um longo seriado que promete muita emoção e demandará muito trabalho pelos próximos cinco anos. Não perca!

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*André Lima, advogado (OAB-DF 17.878), Mestre em Gestão e Política Ambiental pela UnB, Assessor Especial de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica, Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-DF.

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[1]O §4º (incisos I e II) do artigo 61-A reduz a recomposição das APPs ciliares de imóveis com área entre 4 e 15 módulos fiscais de 30 para 15 metros e nos imóveis com área superior a 15 MF define o mínimo de 20m de recomposição de APP.
[2] O §5º do 61-A reduz a recomposição de APP de nascentes de 30 para 15 metros.
[3] Estabelece parâmetros técnicos para recomposição de APP permitindo inclusive a recomposição de mata ciliar com espécies frutíferas exóticas.
[4] As alterações promovidas na Medida Provisória pela Câmara e chanceladas pelo Senado beneficiam propriedades com até 1500 hectares da Amazônia e 1000 hectares na Mata Atlântica consolidando desmatamentos ilegais de matas ciliares e em margem de nascentes.
[5] Na primeira oportunidade que teve a Presidenta Dilma vetou perifericamente. Com o veto homeopático driblou a Rio+20 e devolveu a matéria para sua agrobase parlamentar na Câmara dos Deputados decidir. O Senado apenas chancelou. E o resultado foi mais anistia, mais consolidação de desmatamento ilegal, mais redução de área protegida e mais redução de recuperação de área de preservação permanente.


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Senado aprova MP do Código Florestal enquanto SBPC e ABC divulgam carta sobre os perigos do documento


O Senado Federal aprovou na terça-feira (25), sem alterações, o projeto de lei referente à Medida Provisória do Código Florestal. O texto original enviado pelo Poder Executivo recebeu quase 700 emendas na comissão especial mista que analisou a matéria.

No mesmo dia, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgaram uma carta, encaminhada aos senadores antes mesmo da votação.

Confira a íntegra do texto.

Senhores Senadores,

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem mais uma vez manifestar sua preocupação com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012 aprovadas pela Comissão Especial e reiterada pela Câmara dos Deputados, que representam mais retrocessos, e graves riscos para o País.

O Brasil deveria partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns internacionais, como por exemplo, na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Nela, sob coordenação do Brasil, os países aprovaram o documento "O Futuro que Queremos".

O documento ressalta o compromisso com um futuro sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das dimensões social, econômica e ambiental. O documento reconhece a importância da colaboração da comunidade científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões informadas. Reafirma a necessidade de promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao mesmo tempo em que conserva as terras, a água, os recursos genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais. Também reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de carbono.

Caso o Senado aprove a MP 571/2012 o Brasil deixaria de cumprir os compromissos que assumiu com seus cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e da tecnologia nas tomadas de decisão. Reiteramos que a ciência e a tecnologia permitem conciliar a produção agrícola com a proteção ambiental em benefício da própria agricultura. E, que a destruição indiscriminada dos ecossistemas resulta sempre em elevados prejuízos econômicos. A degradação das terras, das águas, do clima e da biodiversidade ultrapassam o impacto ao meio ambiente, afetando a saúde, além de comprometer também a produção agrícola.

A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012, propostas pela Comissão Especial e aprovada pela Câmara:

    Definição de Pousio sem delimitação de área - A Comissão Especial alterou a definição de pousio incluída pela MP, retirando o limite de 25% da área produtiva da propriedade ou posse (Art. 3o inciso XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser reconhecidas apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser considerada como prática de interrupção temporária das atividades agrícolas.

    Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios - O relatório aprovado pela Comissão Especial beneficiou as médias e grandes propriedades rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente até julho de 2008 foi reduzida. Pelo texto aprovado, propriedades médias, de 4 a 15 módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais serão obrigadas a recompor as áreas desmatadas em 15 metros contados da borda da calha do leito regular em rios de até 10 metros de largura. Nos outros casos, com rios de qualquer largura, em propriedades acima de 15 módulos fiscais, a definição da área de recuperação foi remetida ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), respeitado o parâmetro de, no mínimo, 20 metros e, no máximo, 100 metros, contados da borda da calha do leito regular. Segundo o texto original da MP, os imóveis com área superior a 4 (quatro) e de até 10 (dez) módulos fiscais, teriam que recuperar em 20 metros de matas desmatadas ilegalmente nessas áreas até julho de 2008, nos cursos d'agua com até 10 (dez) metros de largura. Nos demais casos, em extensão correspondente à metade da largura do curso d'água, observado o mínimo de 30 (trinta) e o máximo de 100 (cem) metros, contados da borda da calha do leito regular. Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais intermitentes com largura de até 2 (dois) metros, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da área do imóvel rural (Art. 61-A, § 18). As APPs não podem ser descaracterizadas com pena de perder sua natureza e sua função. A área de recomposição das APPs deve ser restabelecida originalmente, e não mais ainda reduzida. As APPs de margens de cursos d'água devem continuar a ser demarcadas, como foram até hoje, a partir do nível mais alto da cheia do rio. A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal. Essas áreas além de serem importantes para a conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade quantidade de água, de prover serviços ambientais importantes, elas protegem vidas humanas, o patrimônio público e privado de desastres ambientais.

    Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera como Área de Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor de nascente, a MP introduziu a expressão "perenes" (Art. 4o, inciso IV), com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d'água perene, é admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros (Art. 61-A § 5º).

    Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas exóticas. É inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares com árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).

    Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais - As Áreas de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das Reservas Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as funções ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são distintas. O texto ainda considera que no referido cômputo se poderá considerar todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, ou seja, regeneração, recomposição e compensação (Art. 15 § 3o). A ABC e a SBPC sempre defenderam que a eventual compensação de déficit de RL fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade, dentro do mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantém mais ampla a possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada, para que se mantenham os serviços ecossistêmicos regionais. A principal motivação que justifica a RL é o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas de menor aptidão agrícola, o que possibilita conservação da biodiversidade nativa com aproveitamento econômico, além da diversificação da produção.

    Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico - O Art. 61-B, introduziu a mudança que permite que proprietários possuidores dos imóveis rurais, que em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, recomponham até o limite de 25% da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%

    Delegação aos Estados para definir, caso a caso, quanto os grandes proprietários devem recuperar de Áreas de Preservação Permanente (APPs) ilegalmente desmatadas. A delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação. Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e governo federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente desmatadas, pode incentivar uma "guerra ambiental".

    Diminuição da proteção das veredas - O texto até agora aprovado diminuiu a proteção às veredas. A proposta determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a partir do "espaço permanentemente brejoso e encharcado" (Art. 4o, inciso XI), o que diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a época das chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água, pois são responsáveis pela infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do estresse hídrico.

    Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais - O artigo 11-A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais atividades de carcincultura e salinas, bem como a regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código Florestal desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões.

Senhores Senadores, se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas, e portanto os senhores não devem aprovar o relatório vindo da Comissão Especial e aprovado pela Câmara.

Aprovar a MP com a modificação feita na Comissão Especial e aprovada pela Câmara significa ignorar os conhecimentos científicos e os anseios da sociedade. A decisão deve transcender os interesses de grupos e sim responder aos interesses maiores da Nação.

Confiando que a posição da Ciência seja desta vez considerada, subscrevemo-nos,

Atenciosamente,

HELENA B. NADER                                                           
Presidente SBPC

JACOB PALIS
Presidente ABC


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Câmara aprova MP do Código Florestal


A Medida Provisória 571 ainda precisa ser votada pelo Senado até 8 de outubro, data em que perde a vigência.

Por Gustavo Lima, Agência Câmara
O Plenário aprovou nesta terça-feira (18) a Medida Provisória 571/12, que corrige lacunas dos vetos da presidente Dilma Rousseff ao novo Código Florestal (Lei 12.651/12), principalmente sobre recomposição de áreas de preservação permanente (APPs). O texto aprovado é o parecer da comissão mista que analisou a matéria.

O texto também retoma pontos considerados prioritários pelo governo que foram excluídos na votação do projeto do Código Florestal na Câmara, como a proteção de apicuns e salgados.

De acordo com o texto aprovado, entretanto, a recomposição de APP onde existir atividade consolidada anterior a 22 de julho de 2008 será menor para imóveis maiores, em relação ao previsto na MP original. O replantio também poderá ser feito com árvores frutíferas, tanto na APP quanto na reserva legal.

Em vez de 20 metros, a APP em torno de rios com até 10 metros de largura poderá ser de 15 metros. A exigência menor abrange imóveis de até 15 módulos fiscais. Na MP original, o limite dessa faixa era de 10 módulos.

Nos casos de tamanho maior da propriedade ou do rio, o mínimo exigido de faixa de proteção passou de 30 para 20 metros e deverá atender a determinação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), conduzido pelos estados.

Acordos

A votação da MP nesta terça-feira foi possível depois de um acordo de procedimentos entre a maior parte dos líderes partidários. DEM, PV e Psol não participaram do acordo. O líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), alertou que não há compromisso do Executivo com o mérito do texto aprovado na comissão e no Plenário.

“Cumprimentamos todos aqueles que participaram dos trabalhos da comissão, mas o governo não tem compromisso com o mérito porque não participou daquele acordo e concordamos em votar hoje para preservar tudo aquilo de bom que a MP trouxe”, afirmou.

MP do Código Florestal pode ter limites de proteção vetados

Para o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), vice-líder do DEM, o eventual veto presidencial das mudanças feitas na comissão significa “um verdadeiro estelionato legislativo aplicado na comissão mista”.

Imóveis menores
A chamada “escadinha” não teve mudanças para as pequenas propriedades (até 4 módulos).

Independentemente da largura dos rios, imóveis com até 1 módulo fiscal devem recompor a APP com 5 metros em torno do curso d’água.

Se maior que 1 módulo e até 2 módulos, a recomposição deverá ser de 8 metros. Acima de 2 e até 4 módulos, a APP deverá ter um mínimo de 15 metros.

Para nascentes e olhos d’água, a exigência de recuperação da APP aumentou no caso de imóveis até 2 módulos fiscais. Enquanto na MP original a vegetação deveria ocupar 5 metros (até 1 módulo) ou 8 metros (maior que 1 e até 2 módulos), o texto aprovado exige 15 metros de todas as propriedades.

Outra mudança incluída na lei é a permissão de recompor 5 metros em torno de rios intermitentes com até 2 metros de largura para qualquer tamanho de propriedade.

Todas as metragens serão contadas a partir da borda da calha do leito regular, e o plantio de espécies exóticas e frutíferas não precisará de autorização prévia do órgão ambiental.

Lagos e veredas

O texto original da MP permanece o mesmo para áreas consolidadas em torno de lagos naturais e veredas (terreno brejoso com palmeiras):
Lagos e lagoas naturais:
- até 1 módulo fiscal: 5 metros de APP;
- maior que 1 e até 2 módulos: 8 metros de APP;
- maior que 2 e até 4 módulos: 15 metros de APP;
- maior que 4 módulos: 30 metros de APP.
Veredas:
- até 4 módulos fiscais: 30 metros de APP;
- maior que 4 módulos: 50 metros.


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Lento Adeus ao Código Florestal

Por Raul Silva Telles do Valle, Instituto Socioambiental

Os grandes jornais estamparam, na semana passada, a foto do bilhete da presidente Dilma endereçado à ministra Isabela Teixeira (Meio Ambiente), no qual extravasa um suposto descontentamento com o acordo fechado entre o Palácio do Planalto e a bancada ruralista para aprovar a Media Provisória (MP) do Código Florestal na comissão mista do Congresso que a analisa. A imagem foi flagrada numa reunião em Brasília.

Segundo o pequeno pedaço de papel, Dilma estaria preocupada com a alteração da “escadinha”, o escalonamento na obrigação de recuperar as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens de rios e nascentes, de acordo com o tamanho do imóvel – móveis menores recuperam menos (veja a tabela abaixo, feita com base no texto aprovado na comissão mista).

Oxalá esse fosse o principal problema do texto aprovado na semana passada pela comissão (saiba mais) e o governo estivesse realmente preocupado com uma legislação florestal coerente e eficaz para o país. Mas não é nada disso.

Enquanto a ministra veio a público dizer que não abre mão da “escadinha”, a bancada ruralista, com a benção dos emissários do Planalto, destrói o chão sobre a qual ela está apoiada. O texto aprovado – por unanimidade – acrescentou um item à MP que permite a recuperação de nascentes e matas ciliares com “árvores frutíferas”: laranjeiras, pés de café, mamoeiros e por aí vai. Não misturados entre a vegetação nativa, o que já era permitido aos pequenos agricultores e tem lá o seu sentido; mas inclusive na forma de monocultivos em grandes propriedades.

A escadinha vai sair do nada e chegar a lugar nenhum, pois uma plantação de laranja – exigente em agrotóxicos para ser produtiva – pode ter muitas funções, mas não a de proteger uma nascente ou servir como corredor de fauna ao largo de um rio, como deveria ser uma APP.

Se a regra vier a ser confirmada pelos plenários da Câmara e do Senado e a presidente não vetá-la – algo bastante plausível – um determinado médio proprietário, por exemplo, que, em 2007, tenha desmatado ilegalmente 30 hectares de vegetação à beira de um pequeno rio, poderá se “regularizar” plantando nove hectares de mamoeiros e explorando o restante da área com pasto.

Se isso tiver ocorrido numa região de cerrado goiano, por exemplo, ele terá colocado abaixo, ilegalmente, 30 hectares de vegetação com pelo menos 50 espécies diferentes de árvores e mais centenas de outros tipos de plantas, que serve de abrigo e fonte de alimentação para um incontável número de espécies animais (de grandes mamíferos a pequenos insetos). Em seu lugar plantará nove hectares de uma única espécie (talvez algum capim se espalhe por debaixo, caso não exista “faxina química” com agrotóxicos, como ocorre usualmente nessas plantações), que servirão de abrigo e alimentação apenas para algumas espécies muito generalistas de insetos e pássaros, os quais provavelmente serão atacados de forma persistente com inseticidas para não danificarem a colheita.

A MP foi editada em maio para suprir as lacunas deixadas pela sanção parcial de Dilma ao projeto aprovado pela Câmara para alterar o antigo Código Florestal. Pelas regras já sancionadas e que agora são lei, esse pequeno rio terá suas margens medidas na época da seca, e não da cheia, o que fará com que ele “diminua” de tamanho, caindo de algo próximo a 15 metros para menos de 10 metros de largura. Esse médio proprietário, segundo as regras da MP, teria de recuperar, então, 15 metros de cada lado do curso de água, ou seja, 30% da área que em 2007 estava protegida por lei (50 metros em cada margem). Com a regra acrescentada pelos parlamentares, esses 15 metros poderão ser uma monocultura de mamão.

Ah, se essa propriedade estiver dividida em mais de uma matrícula (algo muito comum em todo o país – veja aqui) e esse proprietário cadastrar cada uma como se fosse um imóvel diferente no Cadastro Ambiental Rural, fraude possível pela nova lei que já está em vigor, o tamanho da “restauração” será bem menor, pois cada “sítio” se enquadrará num degrau mais baixo da “escadinha”, no qual a obrigação de restaurar é menor ainda.

Caminho do absurdo

A criação de laranjais “produtores de água” não foi a única modificação no texto da MP promovida pelos parlamentares. Eles também diminuíram o tamanho da área de matas ciliares e nascentes a ser restauradas pelos grandes proprietários, que agora passará a ser definido no caso a caso por meio dos programas de regularização ambiental que serão criados pelos estados. Essa é uma pauta antiga dos ruralistas: deixar para o nível local a decisão de restaurar ou não. Além disso, diminuíram a proteção às veredas e pequenos rios intermitentes – as nascentes desses rios já estão sem proteção e podem ser legalmente desmatadas pela nova lei em vigor. Aos poucos, vamos dando o adeus definitivo àquilo que um dia chamamos de legislação florestal.

O acordo fechado não surpreende, por mais absurdo que possa parecer – pelo menos aos olhos de quem acredita que proteger nossas florestas faz algum sentido. Quem acompanha a novela, já sabe seu final. Já não há mais qualquer racionalidade nas discussões parlamentares sobre a nova legislação “florestal”. Permitir “recuperação” de nascentes com cafezais e de matas ciliares com laranjais é tratado como algo razoável, que sequer suscita qualquer tipo de questionamento. Retirar a proteção à vegetação responsável pela infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do estresse hídrico, é algo comemorado. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes proprietários terão de “recuperar” – se for com pés de mexerica, a palavra está equivocada – das áreas de preservação irregularmente desmatadas, incentivando uma “guerra ambiental”, é perfeitamente normal.

Bilhete em branco

O que fica claro nessa história toda é que nenhuma das partes está preocupada em ser coerente com o que diz, mas apenas em aprovar o texto o mais rápido possível e ficar bem na foto.

O bilhetinho de Dilma, embora escrito em letras garrafais para que todas as lentes pudessem flagrá-lo, carece de sinceridade. O Palácio do Planalto já tinha deixado claro suas intenções quando optou por assinar embaixo da lista de desejos dos ruralistas e sancionar, com poucos e irrisórios vetos, o projeto por eles elaborado (leia mais), editando na sequência uma medida provisória para repor parte daquilo que eles rejeitaram.

Até Eremildo, o Idiota, sabia que aquilo era um golpe de marketing. Não tinha nenhum compromisso em ser politicamente viável. Afinal, quem poderia acreditar que, já tendo sido derrotado duas vezes pelos ruralistas nesse mesmo assunto, sancionando uma lei com praticamente tudo que eles queriam, o governo teria condições de negociar com os ruralistas e garantir um texto cheio de coisas que eles não queriam? O resultado, óbvio, está aí: mais e mais concessões, mais e mais prejuízos ao meio ambiente.

Os ruralistas, por sua vez, vão deixando cair as máscaras uma depois da outra. Já não precisam mais disfarçar nada, pois sabem que estão com tudo e não estão prosa. Se no começo da campanha pela revogação do Código Florestal clamavam por regras que tivessem “base científica”, alegando que a lei revogada era dela desprovida, agora fingem que não escutam as reiteradas advertências feitas pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) às regras que aprovaram. Ou alguém acha que a regra que permite plantar laranja em nascentes é fruto de uma recomendação técnica embasada no melhor conhecimento científico?

A senadora Kátia Abreu, que até a sanção da lei pela presidente Dilma afirmava que os maiores interessados na proteção de nascentes e riachos seriam os próprios produtores rurais, na comissão especial estava na tropa de choque que aprovou o fim das matas ciliares dos rios da Caatinga e transformou as Áreas de Preservação Permanente em “Áreas de Plantações Permanentes”. Agora ela já duvida publicamente da relação entre proteção de florestas e produção de água. Com isso, ganhou o título de Doutora Honoris Causa da Academia Brasileira de Filosofia. E uma forte indicação para integrar o ministério da presidente Dilma.
Saiba mais sobre as consequências da nova lei.

Para entender as mudanças já aprovadas, que já são lei, veja tabela abaixo.