Míriam Santini de Abreu - jornalista
Quem é Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), o agora senador e relator do projeto do novo Código Florestal nas comissões de Agricultura (CRA) e Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado
LHS: história de ferocidade contra as leis ambientais
Foi na prefeitura de Joinville, entre 1997 e 2002, que o ex-governador e agora senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB) começou a fazer discurso e articular nacionalmente o que viria a ser o “Pacto Federativo como instrumento de Desenvolvimento Sustentável com a União”.
Quando prefeito da maior cidade do Estado, LHS – como é mencionado na imprensa estadual - tinha embates frequentes com os órgãos ambientais por causa das irregularidades que a prefeitura avalizava. Em 1997, o Ibama embargou uma obra e o operador de uma máquina chegou a ser levado para depoimento na Polícia Federal. Irritado, o prefeito Luiz Henrique da Silveira chegou a ameaçar enviar os fiscais do Ibama para o Piauí. Veja a história em http://www1.an.com.br/1999/jun/22/0cid.htm
Ali é mencionada a Empreiteira Fortunato, que fazia uma série de obras para a prefeitura (http://www.fortunato.com.br/pt/home/)
LHS chegou a governador e começou a articular, no novo cargo, a sua estratégia em nível nacional. Trazia a SC empresários de outros países para conhecer as “potencialidades” do Estado. Seus relacionamentos empresariais incluem o empresário Fernando Marcondes de Mattos, dono do badalado Costão do Santinho, no norte da Ilha, que LHS convidou para jantar, num gesto de solidariedade, no dia em que Marcondes foi solto da cadeia após ser preso na chamada Operação Moeda Verde. Saiba mais em:
Sua relação com o empresariado pode ser vista na página do TRE, onde aparecem os doadores declarados de sua campanha, um deles o empresário Eike Batista, que tinha planos, frustrados pela mobilização popular, de construir um estaleiro no Estado. Veja os doadores em:
O episódio da instalação do estaleiro planejado pelo empresário Eike Batista escancarou que, em Florianópolis e em SC, há um “nós” - parte expressiva do meio político e empresarial - e os “eles” – movimentos e organizações críticos e boa parte da população -, divisão que claramente se identifica nos conflitos na cidade e no estado.
Como prefeito e governador, LHS ficou conhecido, pelos movimentos e organizações, como crítico feroz de quem quer que se colocasse em seu caminho. Sabe-se claramente de que lado ele está. É conhecido, no estado, o trecho de uma entrevista que ele concedeu a uma emissora de televisão sobre, entre outros temas, a questão ambiental.
Vale a pena relembrar um caso exemplar, a instalação de um empreendimento empresarial turístico (campo de golfe) no badalado balneário de Ingleses, em Florianópolis, também por iniciativa do empresário Fernando Marcondes de Mattos. Próximo ao empreendimento mencionado há uma comunidade, a Vila do Arvoredo, também conhecida como Favela do Siri, que começou a se formar nos anos 1980. No embate travado para a instalação do campo de golfe, é ilustrativo o conjunto de comentários feitos pelo então governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira, na já mencionada entrevista concedida à emissora de televisão em abril de 2007, na qual há 17 minutos referentes à temática ambiental. Ver em http://video.google.com/videoplay?docid=-8286208201407673708#
Nela o governador Luiz Henrique da Silveira menciona o assunto (1), quando questionado sobre a reclamação dos empresários em relação à “burocracia” e a “dureza” das leis ambientais. Diz ele:
1- Eu acho que nós vamos ultrapassar esse período negro, que não é possível que nós não possamos ter em uma ilha como essa, maravilhosa, certo, marinas para receber turistas estrangeiros com muito dinheiro que venham gastar aqui e gerar emprego. Que nós não consigamos fazer um campo de golfe, meu deus do céu. Em Marbela, você viu, tem 50 campos de golfe e por isso aquela vila pobres de pescadores foi transformada num dos maiores pólos milionários de turismo. Então nós precisamos ter uma evolução. O que as pessoas têm que ter em mente é que uma marina não polui. Nós vimos lá em Marbela, dentro da marina, a profusão de peixes que havia. Pelo contrário, ela desenvolve, ela embeleza. Ela traz um novo dinamismo para as cidades. Então nós temos que superar isso, estamos com um grave problema, eu vou dizer aqui especialmente para os florianopolitanos [...].
No trecho seguinte (2), o governador classifica de “medievalismo” a posição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em relação às licenças ambientais e diz que é preciso descentralizar as decisões relativas às políticas de meio ambiente:
2 - Quem sabe cuidar mais de Florianópolis é o florianopolitano. É a Prefeitura, é o vereador. Quem sabe cuidar mais do meio ambiente do estado é o Governo do Estado, são os deputados estaduais. Então é preciso acabar com essa burrocracia [com dois erres na pronúncia] em que dois ou três técnicos lá em Brasília, longe da realidade, decidem as coisas, ou não decidem, porque um monte de processo, uma montoeira de processo não lhes dá tempo nem de examinar os processos.
Um dos apresentadores pergunta então se não é necessário haver controle em relação a isso, porque a natureza estaria “dando resposta” às ações humanas, ao que o governador questiona (3):
3 - E agora você me diz: e a favela do Siri, ali? Do lado do campo de golfe que não querem deixar o Fernando Marcondes [de Mattos, empresário] fazer? Por que não se proíbe a proliferação de favelas, que joga - me permita a expressão irada - cocô para a praia para provocar doenças nas nossas crianças? Por que não se atua nisso aí para impedir? Né? Por que não se atua nisso aí para impedir? A favela pode poluir a praia. Agora, um resort, um hotel, um campo de golfe, para atrair turista e gerar emprego e renda não pode.
Do ponto de vista discursivo, evidencia-se, na fala do governador, uma série de indícios que apontam para diferentes sujeitos sociais: “não querem deixar (...) fazer” (quem?); “nossas crianças” (quais?); “por que não se atua (...)” (quem?). No trecho 2, ele deixa explícitos, porém, os sujeitos sociais que seriam os mais capacitados para “cuidar” do “meio ambiente” do estado. E no trecho 1 está sinalizado o exemplo da “evolução”, o balneário de Marbella, na Costa do Sol, Espanha, totalmente descaracterizado pela especulação imobiliária estimulada pela corrupção (ver em http://ises-do-brasil.blogspot.com/2007/08/operao-moeda-verde-verso-espanha.html.
Não é por acaso que LHS é o relator do Código Florestal. Ele iniciou, em SC, uma prévia local do que agora ocorre no âmbito nacional. Por aqui entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC.
O mandato do então governador Luiz Henrique da Silveira foi de 2003 a 2006, e sua reeleição de 2007 a 2010. O projeto do Código Ambiental de SC foi uma das bases das promessas da campanha de reeleição em 2006. Como LHS foi reeleito, nos anos seguintes ele elaborou e aprovou o Código como promessa de campanha assinada no “Pacto Federativo como instrumento de Desenvolvimento Sustentável com a União”, texto disponível em www.fetaesc.org.br/comissoes/meioambiente/agenda.doc e assinado, em sua maioria, por representantes do Governo do Estado. O documento diz, em sua conclusão: “O Estado de Santa Catarina deverá negociar o “Pacto Federativo como instrumento de desenvolvimento sustentável” com a União, assumindo a Gestão Ambiental dentro de suas fronteiras territoriais, implantando o Zoneamento Econômico Ecológico e Zoneamento Econômico Ecológico Pesqueiro e elaborando o seu Código Ambiental fundamentado na Estrutura Fundiária do Estado e suas peculiaridades regionais”.
Veja como isso ocorreu, na prática, no resumo cronológico a seguir:
- Em 2001 foi apresentado um Projeto de Lei de um Código Ambiental em Santa Catarina, elaborado pelo deputado Francisco de Assis, que foi arquivado em 2005.
- Em 2006, o governo estadual recebeu a “Proposta de Agenda Ambiental para o Setor Produtivo do Estado de Santa Catarina”, que recomendava a elaboração de um Código Ambiental fundamentado na Estrutura Fundiária do Estado e suas peculiaridades regionais.
- Em fevereiro de 2007, o governador do Estado solicitou à FATMA – órgão ambiental estadual - coordenar a elaboração de um projeto de lei sobre o novo Código Ambiental de SC, feito com recursos do Programa de Proteção da Mata Atlântica (PPMA/SC).
- Em março de 2008, a FATMA entrega uma proposta ao governador. O texto elaborado pela FATMA é profundamente modificado pelo Executivo, que insere no mesmo as reivindicações presentes na “Proposta de Agenda Ambiental para o Setor Produtivo do Estado de Santa Catarina” elaborada em 2006.
- Em 24 de julho de 2008, o Governador encaminha para a Alesc a sua proposta do novo Código Ambiental (PL238/08). Durante a sua tramitação na Alesc, o PL238 passou pelas comissões temáticas e foi discutido em 10 audiências públicas no Estado: Lages, Campos Novos, Videira, Criciúma, Joinville, Blumenau, Rio do Sul, Chapecó, Concórdia e Florianópolis.
O formato das audiências foi criticado pela Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC), que afirmou que:
a) foram realizadas às pressas,
b) com parca publicidade, realizadas em dias úteis, em horários incompatíveis com a disponibilidade de pessoas,
c) não motivaram qualquer modificação no projeto de lei apresentado.
d) tiveram natureza meramente informativa.
e) foram apresentações parciais e direcionadas, blindadas às críticas, e serviram apenas para noticiar o projeto elaborado pelo Governo do Estado
- O projeto de lei foi aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado e a Lei nº 14.675/09 foi sancionada pelo governador e publicada no Diário Oficial do Estado no dia 14 de abril deste ano.
O que predominou no texto aprovado da Lei estadual 14.675/09 foi o enfoque dado pelo Governo do Estado através da “Proposta de Agenda Ambiental para o Setor Produtivo do Estado de Santa Catarina”, cujas diretrizes foram consubstanciadas no “Pacto Federativo como instrumento de desenvolvimento sustentável com a União”.
A decisão do Governo do Estado e da maioria dos deputados estaduais da Alesc foi de acatar propostas de setores empresariais, desconsiderando o enfoque de outros importantes setores, tanto governamentais (FATMA e EPAGRI) como dos ambientalistas e de outras autoridades estaduais e federais, como o Ministério do Meio Ambiente ou o próprio Ministério Público Federal e Ministério Público em SC, que fizeram graves críticas quanto à legalidade e inconstitucionalidade do Código.
- Em 17 de abril de 2009, o Partido Verde ingressou no STF e no TJSC com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Código Ambiental catarinense. No mesmo período o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e a Procuradoria da República em Santa Catarina protocolaram representação na Procuradoria Geral da República, pleiteando o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Código.
O então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, também se manifestou publicamente pela imprensa contra o Código Ambiental, reascendendo o debate em torno da partilha constitucional da competência legislativa em matéria ambiental.
- Em 14/04/2009, o então governador contestou Minc e declarou, em entrevista:
“Eu não tenho dúvida, esse código nacional vai cair. E o Congresso Nacional haverá de proclamar a competência dos estados para fazer leis de qualquer caráter ambiental, de acordo com a sua realidade territorial”.
Veja a entrevista em:
É importante que todas as pessoas de todos os cantos do Brasil conheçam essa história, para que aquelas preocupadas com o direito à vida tenham mais subsídios para fazer a luta contra as mudanças no Código Florestal.
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